Desleixo.
Paredes caiadas com as estantes no
alinho mais obsessivo que pode haver. A ordem alfabética manifesta e caricata,
só por de nada servir.
–
Assim é mais fácil procurar.
–
Quem procura sempre alcança?
–
Penso que sim, sigo o propósito da busca, contra-relógio. Sinto que lhe ganho
por ter definido a ordem pelo cunho do alfabeto.
As frases curtas também marcavam a
sinfonia da falta de delicadeza do alinhamento primoroso. Já nada era proferido
que fosse novo. Tudo usado permite a arrumação, que por seu turno (sentado a
ver quem passa), faz enfiar os dedos pelo cabelo, percebendo o seu desalinho,
buscando escovas, pensando em cortá-lo curto de novo, deixando ideias de lado,
adiando sonhos perecíveis de tanto serem arredados.
–
O tempo não se deixa vencer por listas que fazes, por ensaios que teimas a
opor-lhe.
–
Mas…O que sabes sobre isso? Sobre o meu alinhamento?
–
Planos desse género só me trazem à cabeça livros de cupões de desconto. Não lhes
consigo dar valor.
–
Não percebo o que isso tem a ver com…
–
Obrigam, de facto, a essa organização de filtragem obrigatória, que passa por
te lembrares das datas. Cansa. Desgasta.
Mantém-se hirsuta, impecavelmente
séria. Olham as duas a parede caiada, os livros alinhados por letras. Desejam
ser pequenas outra vez, sem se perderem uma da outra.
–
Fizeste-me chorar. Eu prometo que vou largar esta mania. Vou desalinhar os
livros e deixar de olhar o relógio como um moinho de vento.
Põe-lhe a mão na barriga. Olha-a de
esguelha.
Foi-se embora de vez. Sabe ter sido implacável. Sente não ter tido
outra escolha. Garante-se não olhar para trás.
Absolvição.
Ana