11 junho 2023

Hoje, há uns anos atrás.

Pensas que alguns lutos se fazem seguidos? Como te enganas. Tenho-me dado conta que demoro muito tempo a perceber que tenho de fazer alguns lutos. Se alguém morre, por mais estúpido, cruel e cru, faz-se a merda do luto e pronto. A pessoa normalmente está ali visível, à nossa frente. E está irremediavelmente morta. Sem respiros, sem cor. Já perdi tantos para esse fim silencioso. Ficam as memórias, já sabemos que ficam a pairar, mas que a vida segue, etc. Há outros lutos que o tempo não entra. Mas são muito necessários para ficar com dores de cabeça. Cheguei. Cheguei ao luto que não tinha feito, às memórias que me fizeram feliz e que ficaram deturpadas pela doença. Fiz o diagnóstico, mas não preenchi todos os eixos. Não sei onde foi que tudo começou a ir mal. Só me lembro do alívio triste que senti ao acabar com aquilo tudo. Depois, foi mais fácil, andar em frente foi o mote, cabeça erguida, sozinha. Sempre sozinha, na minha missão de vida, de ter tudo em ordem, de não parar para olhar para trás. Convenci-me que aquilo tudo ficava para trás, irremediavelmente morto, findo. Sem a luz que um dia senti, sem as palavras e os gestos, as vozes que entoavam por aqueles dias, aqueles anos. Foi muito. E eu disse tantas vezes a mesma coisa. Até acho que não exagerei. Não sozinha. E eu só consigo exagerar sozinha. Exagerar no perfeccionismo, nas horas que passo a trabalhar, que me adormecem o coração. Há pessoas que acham que sou fria. E eu que sou a última das românticas, que tenho dó de toda a gente, que tenho o meu ombro sempre pronto. Dei a mão, dei os braços, dei os anos que restavam. Recebi incompleto. E isto nem é uma queixa. É apenas um eterno lamurio. Armada em Nostradamus, previ que isto ia acontecer. Mas será isso mesmo real? Esse mundo inverso, decalcado, onde eu não estou, mas me procuras incessantemente. E estou aqui ainda, no mesmo lugar. Tenho uma cadeira diferente, mudei algumas coisas, sem deixar de ser a mesma de sempre. Sorrio menos, cada vez menos. Deixo-te flores aos pés, apesar de estares de costas.

23 maio 2019

Deito fora o pára-quedas!? Depois é só cair

Apetece-me cair de joelhos, no meio do chão e que o chão não tenha quaisquer suavidades ou amortecedores. 

Há este desejo de estourar os joelhos no chão e, se possível, que tenha picos, pedras, areias, pedaços de garrafas de champanhe, assim aos pedacinhos bicudos, pontiagudos, dilacerantes. 

Quero bater com ambos joelhos no chão, à bruta, sem dó nem piedade, com força titânica a fazer com que os dois acertem no chão no mesmíssimo segundo. 

Almejo cair de joelhos no chão e que esse esteja frio, congelado, afinando ainda mais os escombros da festa que se deixou ali sem olhar para trás. 

Há em mim toda a impetuosidade de me querer rebentar de joelhos naquela merda toda, que talvez pareça emaranhada, mas não é nada disso. 

Desejo cair nesse chão e, assim, simplesmente partir os joelhos para me concentrar em sanar o sanável, tratar de mim, andar de cadeira de rodas durante meses a fio, fazer fisioterapia. 

Fi si o te ra pia! 



E levar meses nos tratamentos, saber que vai demorar a andar normalmente de novo. Calcular que, quiçá um dia, por boa graça de deus, até possa caminhar como dantes, quem sabe. O médico pode dizer-me que isso pode ser possível e, dessa forma, eu posso almejar recuperar-me, atingir aquele patamar que me vai deixar feliz. Vou ter apoio e ajuda e gente a ligar para saber-me dos joelhos e de mim que nunca mais apareço. Teria de mudar tanta coisa, até de casa e levar os móveis todos e os livros que, pobres, estarão gastos de serem a minha companhia nas longas horas vazias, só lhes dando descanso para atender o telefone às pessoas preocupadas e fazer planos esperançosos de uma recuperação incrível.  Talvez no meio disso me dê conta que a cruel dor insanável se tornou residual, depois de ter tanto com o que me preocupar, e até me ter esquecido porquê dela existir. 

Já disse em outras alturas que o tempo não existe. Sei isso. Mas a verdade é que o ponteiro passa e a vida faz o que a obrigam as pessoas a fazer. E, seguidamente, o ponteiro a passar e a vida a acontecer, sempre, que quando damos conta aquilo que era tão imperioso e pungente fica pequeno, meio turvo. Pensa-se como foi possível transportar aquela dor, aquela que não levamos para a fisioterapia, mas que está ali manifesta-me a rasgar tudo que se tem dentro. A alma. 

É que, na verdade e logicamente, jamais quero partir os joelhos, muito menos em despojos. Mas também em verdade não quero este prego de 5 cm de diâmetro espetado no peito, em que o ponteiro só parece empurrar devagarinho a cada micro movimento. É que, ainda por cima, como se não bastasse, como se não fosse já suficiente, o prego fura insistentemente por cima de uma cicatriz. Que tem outra por baixo. E mais outra. 

Quem vos disse que eu não era inocente, enganou-vos bem. E há dias assim. Inevitáveis. Uns atrás dos outros. 

Fim. 

03 fevereiro 2019

128 anos-luz | too close(d)

Distraem-me as horas dos dias longos
Com aquele cheiro a incenso silencioso
Em que tu não vens a casa 

(Esta não é a tua casa)

Deixas-me inteira 
A saber a tua tristeza assim
Ao longe 

O ar está pesado 
E já nem é o incenso 
Ou o silêncio 

És a ausência da nossa cor 
Que misturamos aqueles dias todos 
A saber dos erros

(Nunca cai no parolo de te chamar amor) 

A saber desses gritos 
Assim ao longe 
Que calei

Emudeci-te e não me arrependi 

Ainda

E disfarças-me em tons cor terra 
Esbates-me
Comes-me os dedos 

E para que eu não
Escreva 
Calas-te

Até que tudo se apaga. 

Lu Monteiro 


26 junho 2018

Até te podia chamar Alice

Não estás aqui, mas existes. Confecciono uma memória vaga de ti, meia turva. De forma totalmente romântica, idealizo-te com um colorido que não escolho propriamente. 

E assim, nos teus quase seis anos, és loirinha e tens cachos nas pontas dos cabelos. Os teus olhos são completamente verdes e as tuas mãos delegadas. Como as minhas. Abraças-me depois de correres pelo jardim, dizendo-me coisas abstratas, sonhos de criança, estórias que inventas no momento. 

És tão bonita. E tão querida. Ouço-te, sem perceber o que estás a dizer, ficando estupidamente enternecida e assustada com  o pouco que posso intuir. 

Chamo por ti, sem dizer o teu nome. Não sei o teu nome. 

Anda cá. 

Ao ouvires a minha voz, rodopias sobre um pé. Enquanto isso, o tempo fica em suspenso e eu pairo sobre nós. 

Penso em dizer-te assim. 

Faz-te valer de ti mesma. Respeita as pessoas e a vida. Nunca te esqueças de começar por te respeitar a ti. Só assim serás feliz. Concentra-te naqueles que amas e que te devolvem amor de forma livre e verdadeira. Sorri as pessoas com quem te cruzas. Sê feliz todos os dias. Não te importes com o que os outros dizem ou pensam de ti. Se souberes quem és, está tudo bem. 

Enquanto, revejo cada pensamento, tu corres para mim, de vestido branco, de alças, algo rodado. Tens umas sandálias amarelas mostarda. Os teus cachos loiros saltam, brilhando ao sol morno. Sorrio-te, de boca aberta, sentada numa cadeira de jardim. Estou descalça, com uma saia verde. 

Cais. Tropeças sei lá em quê. Bates com a cabeça numa pedra. Morres-me diante dos olhos. Esfumas-te derradeiramente. Eu corro, aos gritos, sem saber que nome te chamar. Nada resta de ti. Desapareces inequivocamente e eu não te consegui abraçar. 

Mato-te, assim, todos os dias. Sem te dizer o que tinha para dizer. 



18 junho 2018

A pobrezinha

A pobrezinha anda apaixonada. Está cheia de sonhos de ir pelos ares a voar diretamente para os braços dele. 

Esta é a namorada do meu ex marido. Cheia de sonhos da treta! 

Nunca me falou. No entanto, não me larga nas redes sociais. Como sei? Ela, a pobrezinha, deixa rastos. Espero que sem querer. Por que se for propositadamente... bem, foda-se! Era lata a mais para uma pobrezinha só. Se for sem querer, desculpo. É normal a curiosidade de saber quem eu sou. 

Eu sou a Ana, a Lu. A Ana Luísa. Tenho 573 anos e nasci em Vénus, no dia 31 de Agosto de um retardado ano qualquer, na via láctea. Digo muitas caralhadas, ao ponto de hoje ter acordado com vontade aguda de ouvir aquela música dos Ena Pá 2000, a Marilú. Fumo. Bebo vinho. Tenho 9 tatuagens. Gosto de ler gajos portugueses ou lusófonos. E não tenho paciência para princesas. Sou uma ave rara, que não se mete na vida de ninguém! Digo, à boca cheia, que sou uma fada, que é afirmar que faço magia. E, no fim de contas, é tudo mentira. 

Por isso, não há merda de rede social nenhuma que vá explicar quem eu sou. Fiz mais de cinco anos de psicanálise e ando ainda à procura do tempo. 

A pobrezinha anda apaixonada. E eu não tenho nada a ver com isso. Mas deixem que vos diga: isto de ter fãs é do caralho! 

Beijos e abraços 

Atenciosamente 
Lu 

20 abril 2018

Este não é o primeiro dia de praia do ano


Estar na praia em abril, no Porto, não é muito incomum. Estar na praia em janeiro, no Rio de Janeiro, é o expectável. Se lá estiveres, claro. Chegares a Portugal com bronze na pele, em janeiro, por teres estado numa praia no Brasil, pode acontecer. No entanto, dá nervos, o tal do bronze, às pessoas que não o puderam fazer. 

Há tantas outras coisas que dão nervos às pessoas. Depende de muitos fatores. Mas depende mais de ti. Há muitas coisas que me davam nervos e que, agora, já não dão. Talvez tenha mudado a perspectiva depois de ter passado tanto tempo de cabeça para baixo. Ser mãe ajudou também nesse voltear as coisas que dão nervos. Agora, dão-me muitos mais nervos ter a casa arrumada por não ter o meu filho em casa. Antes, dava-me nervos incríveis quando a casa ficava, por algum motivo, desarrumada. 

Será então a tal perspectiva. Ou a forma como escolhes as cores com que pintares a cabeça. Ou o coração. Se te der nervos o amarelo, olha para o amarelo até que entendas por quê! Quiçá um dia o amarelo seja uma daquelas coisas que te apraz muito, que te deixa feliz, que te enche o peito e te rasga largos sorrisos. Mas, se assim não for, deixa lá o amarelo. Nem penses mais nele. Pois ele nada te vai alimentar, a não ser que sejas alguém sempre com nervos, alguém dominado por um estado de quem está com nervos incríveis só por não largar uma coisa que lhe deixa os cabelos em pé e, pior, as atitudes todas fora de controlo. 

A mim, as coisas já não me dão nervos. Só as pessoas de quem gosto. E é isso. E o futebol. De resto, tenho a palete de cores todas aqui à mão de semear. 




14 abril 2018

Estóicos e hedonistas ou oitava guerra mundial

Já há muito tempo sinto que a vida não é um conjunto de salas, onde tomamos chás de diferentes sabores, uns com os outros, uns e outros, ou desta vez uns e depois outros.

Há sempre um fio de prata que nos une. 

Parece-me estar imune já a definições absolutas. No entanto, enquanto essas salas se sobrepõe umas às outras, eu própria fico incrédula ante o facto de como as coisas me caem no regaço. Talvez seja só caso de perceber que me torno, cada vez mais, dona e senhora de uma coisa só - a responsabilidade que tenho naquilo que sinto. Seleciono o que sacudir ou acariciar, na justa medida do que me cai bem. Se para muitos não é o melhor, para mim será, naquela determinada conjuntura hipotética. 

E nisso, no pensar o campo de hipóteses que se apresentam, hoje todas me parecem possíveis, exequíveis, plausíveis. Não preciso fechar os olhos com muita força. Um pouco chega para desenhar aquela que mais gostava, desejando em golfadas de ar para dentro, assim com quem vai engolir o mundo de uma vez. Mas isso, é só nos sonhos que tenho, retalhados em poucas e escassas horas e que são martelados por maratonas de afazeres. 

E aí não há guerra mundial contra o tempo, o cinzento desvanece para uma brancura fresca. Não há renúncias, nem há viver intensamente. Mas isso, é só nos sonhos. Os que tenho nas horas vagas das merdas que vejo passar-me defronte dos olhos.